#15: Casulo
Hoje eu enrolei. Acordei e usei telefone, comi, arrumei a casa, tomei remédio, enrolei ainda mais postando besteiras nas redes sociais e rindo de besteiras nas redes sociais, nas usuais e numa NOVA rede social. Enfim, enrolei. Quase não ia escrever, uma mísera página diária sequer. E quase não ia acordar. Quase não ia fazer as coisas que eu fiz. Ficaria apenas deitado, de bruços, no meu caixão de panos e espuma, com o ventilador expulsando todas as razões plausíveis e implausíveis para eu acordar. Deixaria a poeira acumular até tornar-se impossível senti-la em meus olhos, até substituir a cor da minha pele e, finalmente, para aqueles não avisados, parecer mais um casulo do que alguém soterrado. E dentro dele derreter. Dentro dele, mudar. Com sorte, as minhas preces atendidas, tornar-me algo não vivo, desprovido, uma por uma, das características que tornam o existir um penar; ver, ouvir, sentir gostos, cheiros e toques; raciocinar; emocionar. Emergir como uma árvore de pedras ocas, indiferentes a água, ao vento ou ao tempo.
Ou… Receber o infinito oposto: ser vítima de um deus jocoso a virar minhas rezas de dentro pra fora, os artigos transformados em verbo, os fonemas tornarem-se linguagem escrita na casca interna do casulo, como tatuagem, seus sentidos desfigurados da sua essência inicial. Das tatuagens do casulo absorver pela pele toda a tinta do destino brincalhão imposto a mim, emergir desesperado, as dores palpitando no peito implorando afobadas por fuga, as mãos clamando numa prece as avessas para retornar a um lugar onde não há mais volta. Os olhos ardendo pois o mundo invadi-os adentro, o corpo marcado eternamente- pela irônica brincadeira divina, o fatídico necessário. Emergir vivo, e mudado.